– Como está indo o seu seminário sobre desastres de carros?
– Já examinamos centenas de colisões. Carros com carros. Carros com caminhões. Caminhões com ônibus. Motos com carros. Carros com helicópteros. Caminhões com caminhões. Meus alunos acham que esses filmes são proféticos. Que ilustram a tendência suicida da tecnologia. O impulso de suicidar-se, a sede incontrolável de suicídio.
– O que você diz a eles?
– De modo geral, são filmes classe B, feitos para a televisão, para passar em autocines do interior. Digo aos meus alunos que não devem procurar o apocalipse nesses filmes. Vejo esses desastres como parte de uma velha tradição de otimismo norte-americano. São eventos positivos, afirmativos. Cada desastre tenta ser melhor que o anterior. Há um aperfeiçoamento constante de instrumentos e perícia, desafios enfrentados. O diretor diz: "Quero uma jamanta virando duas cambalhotas e produzindo uma bola de fogo alaranjada com diâmetro de doze metros que dê para iluminar a cena". Digo aos meus alunos que, se eles querem pensar em termos de tecnologia, têm que levar isso em conta, essa tendência a realizar atos grandiosos, a correr atrás de um sonho.
– Um sonho? E como seus alunos reagem?
– Igualzinho a você. "Um sonho?" Tanto sangue, vidro quebrado, borracha cantando? Tanto desperdício, tantos indícios de uma civilização em decadência?
– E aí?
– Aí eu lhes digo que o que eles estão vendo não é decadência, e sim inocência. O filme deixa de lado a complexidade das paixões humanas para nos mostrar uma coisa fundamental, cheia de fogo, barulho e ímpeto. É uma realização conservadora de desejos, uma ânsia de ingenuidade. Queremos voltar à pureza. Queremos voltar para trás na trajetória da experiência da sofisticação e das responsabilidades que ela implica. Meus alunos dizem: "Veja quantos corpos esmagados, membros amputados. Que raio de inocência é essa?".
– E o que você diz a eles?
– Que não consigo encarar um desastre de carros num filme como um ato violento. É uma comemoração. Uma reafirmação de valores e crenças tradicionais. Eu associo esses desastres a feriados nacionais, como o Dia de Ação de Graças e o Dia da Independência. Nós não choramos os mortos nem celebramos milagres. Vivemos numa era de otimismo profano, de autocelebração. Vamos melhorar, prosperar, nos aperfeiçoar. Veja qualquer cena de desastre de carro de filme americano. É um momento de alegria, como uma cena de equilibrismo, de corda bamba. As pessoas que criam esses desastres conseguem captar uma serenidade, um prazer ingênuo do qual os acidentes de carro dos filmes estrangeiros não chegam nem perto.
– O negócio é enxergar além da violência.
– Justamente. Enxergar além da violência, Jack. E ver esse espírito maravilhoso de inocência e ludismo.
– Já examinamos centenas de colisões. Carros com carros. Carros com caminhões. Caminhões com ônibus. Motos com carros. Carros com helicópteros. Caminhões com caminhões. Meus alunos acham que esses filmes são proféticos. Que ilustram a tendência suicida da tecnologia. O impulso de suicidar-se, a sede incontrolável de suicídio.
– O que você diz a eles?
– De modo geral, são filmes classe B, feitos para a televisão, para passar em autocines do interior. Digo aos meus alunos que não devem procurar o apocalipse nesses filmes. Vejo esses desastres como parte de uma velha tradição de otimismo norte-americano. São eventos positivos, afirmativos. Cada desastre tenta ser melhor que o anterior. Há um aperfeiçoamento constante de instrumentos e perícia, desafios enfrentados. O diretor diz: "Quero uma jamanta virando duas cambalhotas e produzindo uma bola de fogo alaranjada com diâmetro de doze metros que dê para iluminar a cena". Digo aos meus alunos que, se eles querem pensar em termos de tecnologia, têm que levar isso em conta, essa tendência a realizar atos grandiosos, a correr atrás de um sonho.
– Um sonho? E como seus alunos reagem?
– Igualzinho a você. "Um sonho?" Tanto sangue, vidro quebrado, borracha cantando? Tanto desperdício, tantos indícios de uma civilização em decadência?
– E aí?
– Aí eu lhes digo que o que eles estão vendo não é decadência, e sim inocência. O filme deixa de lado a complexidade das paixões humanas para nos mostrar uma coisa fundamental, cheia de fogo, barulho e ímpeto. É uma realização conservadora de desejos, uma ânsia de ingenuidade. Queremos voltar à pureza. Queremos voltar para trás na trajetória da experiência da sofisticação e das responsabilidades que ela implica. Meus alunos dizem: "Veja quantos corpos esmagados, membros amputados. Que raio de inocência é essa?".
– E o que você diz a eles?
– Que não consigo encarar um desastre de carros num filme como um ato violento. É uma comemoração. Uma reafirmação de valores e crenças tradicionais. Eu associo esses desastres a feriados nacionais, como o Dia de Ação de Graças e o Dia da Independência. Nós não choramos os mortos nem celebramos milagres. Vivemos numa era de otimismo profano, de autocelebração. Vamos melhorar, prosperar, nos aperfeiçoar. Veja qualquer cena de desastre de carro de filme americano. É um momento de alegria, como uma cena de equilibrismo, de corda bamba. As pessoas que criam esses desastres conseguem captar uma serenidade, um prazer ingênuo do qual os acidentes de carro dos filmes estrangeiros não chegam nem perto.
– O negócio é enxergar além da violência.
– Justamente. Enxergar além da violência, Jack. E ver esse espírito maravilhoso de inocência e ludismo.
( Don DeLillo )
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